Rua Lins

Meu avô se chamava André, mas todos o conheciam como Lins. Meu vô Lins.
Por uma coincidência -ou não-, moro na rua que leva seu nome, o real, não o apelido.

sábado, 16 de enero de 2010

Diário de 15 de junho de 2008

Despir-nos de preconceitos (e digo no plural) é dolorido. Estou progredindo, um a um.

Numa sociedade em que o certo e o errado são gravados a fogo em nossas carnes, aceitar o próximo -e verbalizar a aceitação- é ser quase-mártir. Porque muitas vezes até não nos importamos com certas coisas mas fazemos de conta que sim, se estamos próximos àqueles que nos inspiram castidade ou que nos mostram rigidamente as facetas de seu preconeito. Temos medo de ser diferentes, quando de fato não somos iguais.
Enfrento-me diariamente com o exercício de ser diferente. Numa escola há sempre a patotinha que é contra o boné, o chicletes, a comer na sala de aula. Para mim, antes um aluno sem fome me escutando que um que não tira os olhos do relógio enquanto a barriga ronca. Acho que esses professores brigam com o chicletes e balas porque não queram falar a cada cinco minutos que devem jogar os papéis no lixo. Educar dá muito trabalho.
O boné é uma polêmica. Trabalhei em uma escola em que a vice-diretora abria minha porta e brigava com meus alunos pelo boné. Eu não queria cometer o mesmo erro de desautorizá-la diante dos alunos, então me calava... Até que descobri uma maneira não agressiva de pedir para tirarem o boné: "Meninos, a escola me põe regras que devo cumprir e uma delas é que eu diga para que vocês tirem o boné. Por mim vocês poderiam vir até com chapéu de mágico... ou pelados". Eles tiravam o boné rindo. Os que se resistiam a tirar eu nem me importava, seguiam ali, refugiados na segurança que o boné lhes proporcionava.
O boné diz muito para os meninos. Assim como as meninas usam tiara ou carregam suas bolsas cheia de badulaques. Faz parte daquela identidade. Prezo mais o respeito e a participação em aula do que o fato de ter ou não uma tira de pano na cabeça.
Escolhi estudar num lugar que me possibilitou crescer muito, um lugar de liberdades e de aprendizagem do não-preconceito. Um dia na AP-06, sala de pintura, fora do horário de aulas, um companheiro me perguntou se podia arrancar o short e a sunga molhados de piscina e por uma cueca... e que queria pintar de cueca. Ele pintando numa parede da sala e eu na parede oposta. Estavamos de costas um para o outro. Não vi nada. Só vi ele de cueca pintando contente e "nem aí" com minha presença. Pensei que melhor de cueca que pelado.
Toda essa história me surgiu porque lendo um jornal espanhol me deparo com nossas brasileiras da Daspu. Um jornal estrangeiro colocou o desfile em sua fotogaleria (http://www.20minutos.es/galeria/4809/0/0/ ). Fui buscar na Folha de São Paulo e no Estadão, se haviam notícias recentes e qual a valorização da moda de nossas putas. Na Folha nada, no Estadão apenas palavras (http://www.estadao.com.br/arteelazer/not_art188905,0.htm ), nem uma imagem, como se alguém pudesse ficar chocado.
O que mais gosto nesse jornal espanhol, de cunho até sensacionalista, é a democracia e liberdade de expressão. Sobre nossas putas haviam dois comentários interessantes para uma foto de uma das "modelo", com sua coragem e celulites à mostra:
"Una mujer normal!! caramba!!"
"Normal!!! Es mujer, trabajadora y natural."
Há em cada foto do jornal espanhol, críticas ou apoio. Mais apoio que críticas. No jornal brasileiro a notícia está camuflada entre tantas outras .. e zero comentários, ainda que o jornal possibilite fazê-lo.
Não sei o que acontece que nos sentimos no direito de julgar. Todos temos algo de que nos envergonhar. Não somos idênticos, porém, muito mais iguais do que acreditamos ser.

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