Rua Lins

Meu avô se chamava André, mas todos o conheciam como Lins. Meu vô Lins.
Por uma coincidência -ou não-, moro na rua que leva seu nome, o real, não o apelido.

lunes, 31 de diciembre de 2012

Arrumando gavetas


E este ano de 2012 chega ao fim, ano que desvesti algumas roupagens e que redescobri em mim algumas camadas que estavam veladas. Para o querido 2013 que chega poderia fazer uma lista de afazeres, de promessas, de perspectivas. Não... Apenas o desejo de ser mãe paciente com minha Maricota a cada refeição que ela faz manha, a cada objeto que ela empurra de maneira desavergonhada para que caia no chão, a cada instrução que tenho que dar pela enésima vez. Desejo a sabedoria necessária para orientá-la pelo caminho do equilíbrio, para que seja tão feliz quanto possa ser. Cultivo para o tempo que chega o desejo de ser uma pessoa melhor, mais honesta, sobretudo comigo mesma. Cultivo para o ano que chega o desejo do sorriso franco, do coração aberto, das mãos dadas.
Para estes dias de transição e espera pelo ano novo, arrumei meu guarda-roupas. O primeiro de muitos armários que serão abertos nos próximos dias. Tenho essa necessidade nestas épocas: descobrir o que está guardado, limpar, selecionar, arrumar, reclassificar. Arrumo e penso. Encontro fotos, um pé de meia perdido, um objeto querido, uma carta. Abro as portas de meus armários como quem perscruta as gavetas interiores [da alma].
O ano que já se vai foi importante, não pelos últimos doze meses, mas com um período mais amplo, em que redesenhei rotas. Engraçado falar de rotas, mas é assim que percebo as linhas, os liames entrecruzarem-se sob meus pés. A percepção de um ciclo que se iniciou meses antes de 2012, a muitos pés de altura, rumando para Rio Branco no Acre. Lá do alto emocionei-me com a beleza e com a sensação de liberdade. Percebi que o Mato Grosso é uma grande superfície harmonicamente marchetada e que os rios que cortam a Amazônia parecem sim serpentes abraçando esse pedaço de terra que também é Brasil. A tantos pés de altura e tão longe de casa, fiquei mais perto de mim e tive tempo de pensar (às vezes, em nossas vidas de quase máquinas, não nos é permitido este tempo). Acho que 2012 foi o ano de desejar ser menos máquina. E para 2013, como li numa oração num dia destes, quero “suspender o automatismo da ação”, quero viver-sentir.
E para cada pessoa que conheço ou desconheço, desejo para o ano que se aproxima que toda engrenagem que vai dentro seja coração. Que nada seja arrastado, mas vivido. Que roupagens velhas possam ser mudadas, que trajetos possam ser redesenhados, que armários possam ser arrumados, que gavetas interiores sejam vasculhadas. Desejo a cada um, de todo meu coração, a paz.

domingo, 19 de agosto de 2012

Pequena declaração de amor

Na insônia, numa noite que passou, estava pensando na amizade. Talvez o tema tenha me saltado ao pensamento por ter lido há alguns dias, solta numa folha de papel, uma frase escrita três vezes: ‘O correio de amigos é doçura’; e tenha sido convidada a refletir sobre ela, pra só então, depois, saber tratar-se de um poema de Drummond.
 Eu, que sou dada às sensibilidades e sentimentalismos, tento ponderar aqui e ali, a fim de não afugentar outras sensibilidades com meus excessos. Mesmo assim revelo alguns eu-te-amos, quando sinto que é isto mesmo e que não poderia me conter...
Não tenho amigas de infância, mas algumas que valeriam por estas. Há algumas que passo meses, quase ano sem ver, e quando do encontro fica aquele ar de ‘parece que nos falamos ontem mesmo’.  É um punhado pequeno, mas que poderiam ser descritas de muitas maneiras... Muitas descrições pra uma, uma descrição pra muitas.
Aquela com quem passo da meia noite falando, tomando uma xícara de chá... Aquela que tem um caso de amor com as palavras... Aquela que cozinha como uma fada... Aquela que mora longe e surge como um cometa... Aquela que gosta de tirar o sapato aqui na sala... Aquela que poderia ser minha mãe... Aquela que guarda ‘um nosso segredinho’... Aquela que parece um anjo de um afresco italiano... Aquela que usa camisas de lese hipnotizantes... Aquela que divide comigo o gosto por gravuras... Aquela que me diz a palavra exata... Aquela que perdoa minha ausência... Aquela que gosta de plantas.... Aquela que está apaixonada... Aquela que, tal qual Virgílio, me situa nestes caminhos estranhos... Aquela que divide comigo as ternuras-agruras da maternidade... Aquela que divide comigo as reflexões sobre espiritualidade... Aquela que me ensina, sempre... Aquela que reencontrei depois de um desvio... Aquela que conhece todas as minhas fraquezas... Aquela que nasceu pra ser mãe... Aquela que respeita meus mergulhos em mim...
Não sei quantas ou quais cores eu adiciono à vida de cada uma delas. Apenas sei, incontestavelmente, que cada faz da minha vida maior... e toda vez que nelas penso, é Doçura.